quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

E por querer de novo cores...



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O vento forte varria toda sujeira aos olhos
shuuuahhhuhhh shiiiiahh...
Soprava seus tristes versos por toda direção.
As janelas de madeira se encontravam
e taaaktiii nhêeeec...
as dobradiças enferrujadas se expandiam, novamente.

A velha senhora continuava em sua cadeira de balanço
com os pés fora do chão, olhando fixadamente para fora.
O frio preenchia cada poro,
como um lençol, enroscava-se pelo corpo... gelado.
Os cabelos brancos e quebradiços sinalizavam
que ela não deixara de esperar...

E suportava o seu corpo congelando,
a restrição de movimentos,
a vida solitária,
os dias sem luz,
o escuro de toda uma estação,
os olhos lacrimosos pelo vento...

Suportava porque sabia que ela chegaria com o vento norte
e encheria sua casa com sua luz e derramaria todas suas cores.
E valeria toda a dor porque ela lhe acariciaria não só a visão
mas toda sua alma.
E a senhora nasceria novamente.

Toda dor antecede a resplandecência das cores.
E não há escuridão que não se espante com a luz
que se vê quando se acredita de verdade.
E a senhora não podia andar, nem falar, nem se mover...
sofrera um grave acidente.

Restavam poucos sentidos...
seus olhos só enxergavam angústia.
Foi até onde não poderiam encontrá-la.
E percebeu que no pólo norte o sol também aparecia...
Veio a luz, mas tudo era muito estranho.



E por querer de novo as cores...
os ventos do norte lhe trouxeram a aurora boreal.
Então, ela nunca deixou de acreditar
que tudo o que o se vai, volta.


Porque os ventos que trazem também retiram,
mas presenteiam novamente
com novas cores, novas formas.
Só é necessário que não se abra apenas os olhos.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A liberdade com fome de alma e rima




As folhas se balançavam...

soavam como sinos ao tocar do vento.
Ela jogou os cabelos...
dois pés no chão.
Acenderam-se as luzes,
fechou o sinal.

Acenderam-se as estrelas
Sonhos de brilhar
Metade acesa, metade rima,
inteira poesia.
Que o sol esconde pra brilhar d'outro lado.
Luz.

Seguiu a trilha...
atravessou os galhos como se penetrasse em outro mundo.
Um rio jorrava de seus olhos.
Vitrine do paraíso,
espelho da alma.
Gotas enormes caiam sobre sua cabeça...
chovia poesia.



De pés descalços, subiu em uma árvore.
Na ponta de seu galho, uma estrela brincava de ser luz.
Colheu um sonho.
Era vermelho e em sua mão se fez aquecer, acolhedor.
Refletiu nos olhos da menina
que se fez criança a brincar de sonhar.

Agora os lábios traziam um sorriso
que apagava a descrença.
Ela só enxergava uma direção...
o infinito espaço de um beijo.
Inventou seu par, sentiu seu corpo quente...
Os dois ali, juntos ao jazz da praça.
Dançaram até os pés se desfazerem
e ele se tornou real...
tanto quanto o lume de estrelas que acabara de colher da árvore.

Por Taynara e Camila
libertando todo o surrealismo contido nas pontas dos dedos enquanto a mente realizava...

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

As cores e o infinito



Os cabelos dançavam no ritmo de seu vestido de chita,
ela bordava as nuvens com os olhos
enquanto tocava o azul com a ponta dos dedos.
E o mundo era seu.

A garota nunca chegava a lugar algum.
O seu lugar ia ao alcance de sua visão.
Ela pintou sua estrada com 7 cores,
enfeitou seu arco-íris de céu,
se perdeu.

Ela insistia em sentir com as mãos.
Mas quando soprava, deixava livres as bolhas de sabão.
É que elas iam junto ao vento,
até se desintegrarem, voltarem ao ciclo.
E tudo era um só.

Então, a garota botou toda sua fé em uma sacola
e foi com o tempo.
Sobre seu corpo sentiu muita chuva, muito sol.
Até que um dia era sol e chuva.
Um arco-íris se instalou no céu.

É no infinito que todas cores se encontram.
E menina não tinha medo de tirar os pés do chão.
Ela era é do mundo.
E o tamanho do mundo depende da posição do espectador...
Mas ela atuava.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Arvoressência

...para Thais, que juntou o som de seu violino ao da chuva... Foram um só.

Uma primavera molhada
Encheu-me os olhos,
por sorte permeáveis.
Uma gota de orvalho
escorreu de meus poros
e alimentou meu sorriso.
Movimentei-me e era música.
Bebi um pouco de sol,
respirei fundo,
liberei oxigênio...
floresci.

sábado, 6 de novembro de 2010

E se o amor quiser provas




Manhã de domingo, ela olhou preguiçosamente para lado e não havia mais ninguém na cama. Apenas seu corpo pesado ocupava o espaço. Pensou em se levantar, mas os olhos remelavam tanto que preferiu adiar o momento até quando a dor chegasse a seu corpo e ela não pudesse mais conter. Duas horas depois, decidiu que: ou era dissolvida, ou se levantava. Sabendo que tudo é solúvel, percebeu que escorreria para algum lugar sombrio. Ficou com a segunda opção. Calçou seus chinelos se espreguiçando, lavou o rosto, abriu a porta e logo avistou seu companheiro. Ali estava ele, com toda sua plenitude... esperava-a com um café quente e torradas. O cheiro percorria todo o apartamento. Ela sorriu, como se o vapor fosse música. Talvez fosse, talvez o amor tivesse composto algo, instantaneamente quente, em seu coração.


Então, depois do café da manhã, o casal se beijou e foi a igreja. Chegaram às 11:00 e como de costume, ela fez o almoço enquanto ele assistiu aos seus programas desportivos. Era sempre a mesma coisa... Almoçavam, viam o jogo e logo depois algum filme, até que dormissem pelo sofá. Depois iam para a cama assustados com a velocidade com qual o dia foi embora, preparando seus corpos para o cansaço de mais uma semana de trabalho, acostumando suas mentes para o amor retraído, estressado, quase mal educado, que os esperava durante a semana.


As vezes, o domingo se tornava tão distante que eles se esqueciam de todos os bons pensamentos e se entregavam ao caos do dia-a-dia. Ele deixava de lado as cores que pintava os olhos dela quando, de repente, eles saltitavam ouvindo aquela música. E ela ignorava o brilho do sorriso dele quando ele ajudava alguém. E então, eles brigavam. E aquela era sempre a última vez, tudo ou nada. Sempre quase acabava, para refazer o quase início. A verdade é que sabiam que os laços que os uniam não podiam se romper, mesmo que esquecessem da sua existência. Mas o coração sempre reconhece o que o fez mais livre, porque o amor de verdade liberta, não prende.


Anos se passaram, até que um domingo ela olhou para o lado de sua cama e, novamente, não viu ninguém. Mas dessa vez não ficaria deitada, não havia sono. Somente um grande vazio preenchia seu corpo e seu espaço. Levantou logo e saiu com os pés descalços no chão frio de seu apartamento, olhou e não encontrou ninguém a sua espera. Não havia café nem torradas, só um chá gelado na geladeira. Foi o que bebeu naquela manhã, sentada no sofá enquanto Renato Russo cantava, na velha vitrola, que " é tão estranho, os bons morrem jovens...". Então ela ficou ali, sentindo o coração apertar cada vez mais, a garganta contraindo... Não tinha pra onde ir, nem o que fazer, estava imóvel, olhos fixos no nada.

Depois de terríveis duas horas, a mulher se levantou e foi até o quarto. Abriu o guarda-roupa, olhou, olhou... não tinha nada dele. Correu até o banheiro, só havia uma escova de dentes. Ela se olhou no espelho e não viu nada, chorou, puxou seus cabelos, quebrou alguns enfeites. Tentava se lembrar de como aquilo teria ocorrido, ela se sentia presa em um poço escuro e não sabia como escalar de volta a superfície. Agora o seu amor escorria pelo seu corpo, como suas lágrimas. Olhou para o lado, lançou a mão sobre um canivete, aproximou-o de seu pescoço...
Silêncio, tudo está escuro, ela está mergulhando pelas águas, ainda de olhos fechados, inconsciente.


- Oi, meu bem, meu bem! Acho que você dormiu demais hoje, a missa é daqui a 20 minutos. Você não vem?


Ela abriu os olhos vagarosamente, ficou olhando, não conseguia dizer nada. Olhou em volta, tocou seu companheiro.

- É... tá tudo ok?

Ela apenas balançou a cabeça positivamente e sorriu. Depois o puxou para a cama. Não queria fazer nada, queria ficar ali, coladinha ao homem que amava até que aquele domingo passasse logo, e depois, faria do resto da semana os seus domingos. E a cada vez que os laços se tornassem mais fortes, mais livres ele se sentiriam. Estava serena quanto a sua escolha, sabia que depois de algum tempo eles brigariam (como sempre ocorria), mas não queria esperar mais 6 dias para perceber que o amava. Agora ela o veria brilhar em cada gesto, quando cansasse, pintaria seu rosto de várias outras cores. Porque seus olhos podiam colorir o mundo. E, quando ocorresse, que fossem as brigas as provas de que o amor prevalece e não a morte.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Lamentos e além

Quando a alma grita no papel, não há barulho.
Há um silêncio inquietador
rompendo os laços invisíveis, como algo que corrói
até que se perca o controle.

E se a carne sangra
é porque o coração já amaciou demais
e agora endurece,
transpondo o que resta por dentro.

O olhar perscruta e escurece.
Sorrisos vazios,
paixões exaltadas,
o dar de mãos congeladas...
Pingue-pongue.

Quem quer jogar é só entrar na roda.
Benditos sejam os jogadores!
Não existem perdas ou ganhos.
É que o lugar é confortável.
Água e açúcar e muita tinta cinza.

Preciso das cores de volta em minha íris.
Lavar o corpo e a alma,
expor ao sol,
deixar queimar
até esquecer do frio de ontem.

As curvas são o sentido incoerente da alma.
A resposta.
Como o pássaro que quebra as asas
e se lembra que sabe andar,
aprende a ter mais impulso
vai voar mais alto.

Alcançou o infinito
quem já colocou demais os pés sobre o chão
e os olhos além.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Retrato sem nome

Avó, mãe e filhas no ponto de ônibus. Acabaram de chegar do sacolão e se lambuzam incansavelmente com suas coxinhas, compradas na lanchonete ao lado. Engolem rapidamente para que não esfrie. Mãos engorduradas, limpam na calça e riem, conversam, brincam, se divertem. A filha mais nova parece ter uns 3 anos e tá no colo, pedindo para descer e brincar com o cachorro que passa pelo passeio. A mais velha agarra a blusa da avó e pede sobremesa. Ela também não escapa de indagações e responde com a paciência e sabedoria que só quem já viveu muito consegue guardar em si.
Uma família socialmente importante, se for preciso levar em conta os olhares que, naquele momento, se concentravam sobre eles. Alguns olhavam enganados, outros sorrateiros e aqueles outros nem ligavam... soltavam comentários estranhos, como a dona do sacolão, Monique, que disse que pobre era assim mesmo! Ao ouvir, mãe e vó se entreolharam. E riram.
Enfim chegou o ônibus e a família embarcou com destino à um bairro da periferia, conhecido pela peculiaridade dos homicídios que lá ocorriam. Mais uns murmurinhos e depois só a cantoria e as conversas de ônibus. Uma hora depois, desembarcam, param para fazer alguma pergunta e seguem. Passos azuis e grandes vão indo em direção ao destino.
Logo à frente, a mãe avista uma casinha pequena, mal rebocada, transpirando simplicidade. Supõe que aquele fosse o lugar. Toca a campainha e um homem bem vestido abre a porta. A mãe dá um passo para trás, um pouco hesitante.

— Pegamo esses negoço aqui procê na associação — diz a mulher que, na verdade, veio do sacolão.

O homem da casinha olha, como se a cada minuto pudesse descobrir mais sobre aquelas pessoas, como se todas elas fossem portas e ele possuísse a chave. Ou eram elas quem estava dando a chave? Ele estava ali, na entrada de sua casa, criando a imagem que mais tarde pintaria no quadro de suas memórias. Escolhendo as cores e os tons de azul, para contrastar com seus dias cinzas. Uma avó, uma mãe e duas filhas diante de um pintor de bondade, solidariedade, amizade.

Ei, moço! Cê não ouviu não? Os legume, as fruta — falou a mulher, um pouco confusa.

Ah sim. Desculpem a minha indelicadeza — disse o homem, pegando a sacolas da mão da mulher. — Entre. Vamos tomar um chá?!

Não, não. Brigada, mais nois num vamo querê não. Temo que pegar o ônibus de volta ainda— advertiu a mãe enquanto as filhas cutucavam-a para que entrassem. — O moço vai ficar envergonhado por não ter nada pra oferecer. — cochichou para as garotas e elas se despediram.

Mas... Só um momento! Como vocês se chamam? — o homem perguntou.

Ah... nois não tem nome fixo não. Nois somo chamada da forma que o momento exige. Se seu nome é um só, cê se prende a preservar o que construiu sobre ele. Aê, cê sabe né? O desabamento de torna perigoso demais. — e foram embora.

O homem ficou ali, desta vez observando a família se afastar, deixando passar por sua cabeça todo seu vocabulário refinado para tentar por nome à aquelas pessoas. Ele que um dia foi Levi Batista, dono de uma famosa rede de sacolões e pai de Monique, não tinha mais nada. Era amparado por uma família sem nome. A algum tempo atrás, ele diria: todos João Ninguém. Mas agora, enquanto observava os sorrisos velho, jovem, pequenos caminharem pela rua, ele já não imaginava. Só sentia a Felicidade dizendo que se manifestava sobre as formas mais simples e que trazia, junto dela, a liberdade de ser quem quiser. Levi agora era um Homem que não tinha vergonha de limpar as mãos na calça.

domingo, 3 de outubro de 2010

entre Estar ou Não





O ponto dá a hora de ir embora.

Veja só as pessoas,
girando em torno do tempo,
correndo atrás das horas.
O relógio pega o primeiro ônibus.
E foge,
de susto.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Como dizer parabéns

Na minha mesa repousam meus sentimentos.
Pequenos papéis, canetas velhas, lembranças...
Dentro da memória o tempo não tem pressa.
Eu gosto quando você vem aqui me visitar
e a gente repassa nossas antigas conversas.

Hoje eu te abracei nos meus sonhos
e te dei meu presente.
Tento ser mais forte,
mas a chuva chegou tão rápido sobre minha cabeça.
Não é fácil escavar esse poço e tirar toda a sujeira.

Num dia alguém vai embora,
noutro a gente renasce para uma outra história.
Transitando entre os mundos
e sentindo na carne a dor de um mundo doente.
Sei que eles vão cair e não poderão se levantar.

Quero a todo o custo converter em arte
essa vontade de ir embora.
Como a tentativa de poetizar em um parabéns
todo esse amor que você deixou em mim.

ps: volto a sorrir com a saudade.

sábado, 18 de setembro de 2010

Floração


Fresta na janela, é de manhã lá fora.
Acordo com o sol sobre a pele.
Saudando, iluminando, tocando sem queimar.


Clareou tudo aqui dentro
a tempestade que engoliu a coragem, se foi.
A vida segue remando seu barquinho.
E o som dos remos sob os destroços
é a música de quem caiu e se ergueu.


O inverno já vai embora.
É hora de fazer florir tudo o que ficou semeando por dentro.
Sorrio sob os tons de azul e amarelo,
vendo chover pequenas gotas de tinta.
Abro todas as janelas,
deixa iluminar.


Caio e renasço.
Equilíbrio entre extremos.
Canto para transcender minha lírica e eu...
Já é primavera em nós.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Cicatrizes


Pode repousar sua cabeça em meus braços criança,

eles te disseram que quando crescesse o mundo seria seu, não é?
Falaram que você poderia, enfim, sair sozinha por ai...
não ter hora para voltar...
E a maior frustração da liberdade é não se sentir livre.

Sei que sente algo te prendendo.
Tem medo de precisar sair de casa novamente.
É, eles não foram gentis com você.
Ahh pequena, sei que atravessaram sua estrada
e deixaram os restos, estragados, de tudo.
Passaram por cima dos teus sonhos
e, aos poucos, lhe fizeram esquecer como sonhar.

Você precisa seguir,
arrancar a coragem que emana de fontes verdadeiras
e acreditar que você é forte.
Você é livre para sentir o que quiser,
e nunca estará sozinha se lembrar de você mesma.

Vai pelas ruas juntando tudo que deixou cair,
reconstruindo, renovando o mosaico de sua vida.
Nós somos os pedaços que montamos com o tempo.
Você vai cair muitas outras vezes
e precisa aprender a se erguer.
As feridas vão cicatrizar.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Para voar

Amanheceu... sorriu, após ter inundado seu travesseiro.
Calçou suas pantufas como se fosse fisioterápicas,
deixou cair suas roupas...
e com elas ficou o peso que prendia seu corpo.
Abriu as janelas...
ali estava, nua.
Pele e alma prontas para o contato...
Olhou para o relógio, tinha trabalho.
E foi... louca para que chegasse logo a próxima manhã.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O grande menino

O menino lá da rua tinha mania de grandeza.
Ele grandiava as borboletas, as formigas e os passarinhos.
Diziam que ele não era bom da cabeça,
que seu prazer era falar com árvores,
que fazia pirraça para jantar
e ainda conservava uma velha mania de se sentar contra a lua.
Um dia ele me disse que via de dentro pra fora
e sentia de fora pra dentro.
Por isso sentia o que devia.
Mas ele ficou com as vistas cansadas de grandiar as coisas terrestres.
Virou a poltrona para a lua, viu o céu, as estrelas...
E a rua se tornou pequena demais para seu coração de 84 anos.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Procura-se


Boneca procura alguém para amar.
Quem mais poderá dar a vida à boneca de pano?
Sua dona diz que não quer mais brincar.
Que o tempo corre e seu coração está cheio.

Pobre menina! Agora sua velha boneca é só pano.
Ela soube que você não podia se soltar como antes.
Viu quando você decidiu pôr fim a coleção de lagartixas,
e matar todos os amigos que passeavam pela sua mente.

Oh triste boneca de pano!
Foi abandonada, já sem vida, no escuro da noite.
Vejam! Está só em meio à tempestade,
e o vento bate forte sobre seu rosto cuidadosamente costurado.

Todos passam e ninguém percebe.
Ali há um pedaço belo, grande e açucarado de uma menina.
Ela ainda não sabe que escolheu ter seus primeiros traços amargurados.
Como uma bailarina que está na dança mas não quer mais rodopiar.

Dar vida à algo é, também, dar vida a si mesmo.
A boneca de pano só quer amar e procura crianças de 5, 10,20, 30... anos
ela promete dar a arte, a expressão, os movimentos e todo o mistério da criação.
Há apenas um requisito: coração grande e alma pura.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Uma alma no confessionário


Retorno à varanda junto ao café quente, reviro as páginas do que chamo de memória enquanto observo o vapor subir rumo ao telhado. Preciso sentar sobre meus pés e sentir que só posso repousar sobre mim e tenho que conviver com a dor do meu corpo, porque eu sou o que aguento e assumo o risco. Espera! Posso ouvir o barulho da água que desce pela fonte, como se uma cachoeira tivesse se instalado em mim. Será minha vida um ir e vir que anuncia quando desce e ninguém percebe a subida? Ninguém sabe de onde vem? Sutil? Como quando nós estamos ocupados demais para nos lembrar que a avó conta dias a menos e que as havaianas do pai estão desgastadas.
Silêncio, preciso ouvir as vozes aqui dentro. Tenho sido tantas de mim que esqueci qual era o eu que precisava. Assumi tantos papéis que o roteiro ficou confuso e as cortinas não se fecharam para um releitura. Fiquei ali, tentando ouvir os murmúrios da platéia, mas ninguém falaria, ninguém poderia descobrir qual era (é?) a protagonista de mim. Será? Seria? Quem? Eu sou a junção de toda essa incoerência em uma alma. Penso que quando entender, saberei que não sei de nada, que posso me perder em infinitos caminhos e continuarei sendo a entrada e saída de mim. Você aí, você também é, nós somos o caminho que nos leva a tudo, e nada.
Pago por não ter aceitado o nada, quando busquei tudo. Cada pessoa oferece o que tem e entrega suas faltas. Na verdade, pago pelo o que não fui capaz de preencher e insisti em substituir. Eu não posso dar mais do que o que as pessoas queiram, não posso, se não querem.
Como um balão à gás, esvazio minha mente e meu coração de todo o ar quente, sufocante. Preciso respirar, voar livre. Adeus mundo de cá. Têm ypê florindo por ali e meu sorriso tá brotando ao lado. Meu caminho é surreal e eu não existo.
Digo, aquele eu não existia.
Então quem sou?
...
Silêncio.

domingo, 25 de julho de 2010

Flor da pele



Sinto,
sei
que sou
à flor da pele.
A flor sangra
se tem espinhos
mas sabe ser suave.
A pele tá sempre quente
na espreita.
A flor da pele
parece frágil
mas aguenta e vive
sobre[vive] a carne.
Brinca
machuca,
fica nua
e sente
as flores e os espinhos.
Que bom ter pele!
Esquento para esfriar.
Fico serena
pra não esgotar.
Sinto,
e sou toda
à flor da pele
para sentir muito...
sinto todo o mundo.
Imagem de Angelica Trompieri

terça-feira, 13 de julho de 2010

Duas caras

O inverso
é só o outro lado da moeda...
Os pólos fazem parte do mesmo todo.
Revira,
mas não desfaz.
O [re]verso
subverte os extremos.
Vai de cara ou coroa?

sexta-feira, 2 de julho de 2010

A saída



O cheiro de café forte e amargo dança pelo ar.
Vai encontrar açucar pra descer
com bolachas de canela.
Vai fazer do tango a salsa.

O céu se veste com fantasias
esperando a melodia
do violão solitário
que já foi o dono das loucuras
da poesia.

É que o garoto que compunha,
agora é só melancolia.
Não sabe mais brincar de palavriar,
não tem mais o verbo na ponta da língua.

O menino pensa que tá sem saída.
Não se acanhe com a estrada.
Eu já tropecei em muitos substantivos
e eles também verbeiam
como a lua que enluarece a noite.

Não precisa temer,
que uma luz repousa
mas outra ilumina
E minha mão esquenta a sua.

Eu tropecei no silêncio dos seus medos menino
e dei de cara com meus sonhos.
Ouvi dizer que as cores ainda estavam ali
as suas e minhas
estavam no mesmo beco sem saída que nos perdemos.

Então nós podemos
coar logo um café quentinho
e dançar a mais nova salsa
que vamos compor
corpo a corpo.

Sonhos e ouvidos
vão ver as cores
que os olhos desenharam
enquanto pensavam estar fechados.
O sem-saída
só não sai pra quem não tem asas,
ou a poesia.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Velho novo romance

Romeu e Julieta são de gostos opostos.
Julieta sempre tão doce
e Romeu oscilando,
amargando, endurecendo, amarelando.
Julieta amacia como o fruto fresco colhido na hora
Romeu precisa ser maduro...
precisa se desviar dos perigos de ser quem é
para ficar coladinho em seu par
até que se tornem um só.
Vovó que o diga...
Faz questão de grudar direitinho um no outro
deixando que desçam estômago abaixo
até que formem a mesma massa.
Mas quando não é domingo,
a gente esquece que o queijo é mais gostoso maduro
e a goiabada tem mais gosto se é cascão.
Romeu e Julieta durante a semana
têm até características humanas.

domingo, 20 de junho de 2010

Cata-tempo

Ele ali, sentado em frente a janela fechada
e o mundo lá fora...
balbuciando, gritando, socorrendo.
Ele ali, do lado de dentro da cidade,
equidistante dos pólos,
no centro
girando sem eixo.
O mundo além da janela
mas seu sorriso no vidro...
depois as linhas que o tempo deixa de lembrança,
os fios de cabelo quebradiços
e as mãos um pouco enrugadas.
Ele ali, sendo refletido no vidro
e encontrando seus velhos erros,
seu próprio tempo,
seu orgulho e seu medo.
Ele ali, com toda a sua forte essência...
O mesmo vidro que fecha o mundo de fora
é o que abre o de dentro.

sábado, 5 de junho de 2010

Estados e mar


E veio o vento.
Arrastando o que insiste em ser parasita
das palavras
dos sonhos
das vidas
que não são suas.

E caiu a chuva
Mandando pra longe o que não tem raiz
limpando seu corpo
do que está mas não é.

Então se tornaram um só
e era o temporal,
encharcando [in]certezas
que bailavam sobre sua superfície.

Tanto náufrago,
mas enfim chegou a calmaria
silenciando a fúria que vinha lá de dentro
deixando vir novas embarcações.

As águas estão limpas
mas a praia ainda está suja,
porque vieram as ondas
e cuspiram tudo o que é impermeável.
É que o mar não aceita o que não atravessa
mas quer retirar sem se tornar parte dele.
.
.
.
e mostraram que todo equilibrista precisa de caos.