domingo, 2 de junho de 2013

Violeta tenta ser gente grande

Sai,
se colhe do pé da mãe
para se plantar em outro lugar,
mas no correr da vida,
no duro do asfalto,
na fumaça dos dias cinzas,
nos olhares estranhados,
não consegue encaixe.
Não aceita,
MUDA, tenta outra natureza,
violenta seus gostos,
ornamenta casas que não
pode morar.
Volta,
tenta as raízes
onde deixou de semear,
mas já não cabe na terra de si mesma.
Sem essência,
sem ter se plantado, aguado,
sem se cuidar, ainda pequena
morre, cai
antes do tempo,
antes da primavera tratar de lhe -
- mostrar sua beleza.

O que se colhe é a planta que -
antes de mostrar - se quis cultivar.

domingo, 7 de abril de 2013

Sentido de novo


De novo observo minha avó pelo dia,
as suas mãos rasas de carne contrapõe os sulcos do rosto

e afrontam minhas certezas sobre o correr da vida.
Tem pelos tão claros quanto os olhos, profundamente
mergulhados no preparo do bolo de todas as tardes,

na redescoberta dos gostos
dos mesmos ingredientes
misturados e sentidos diferentes.
Traz em si uma graça, que quase me escapa,
em compreender que a mistura da vida
não se conserva
que a alguns sabores não se pode mais sentir 
apenas porque já não têm o que acrescentar, incrementar 
a massa, que ainda sim - cresce
transformada,
mesmo que apenas pela mudança na ordem dos olhares.
A tal ponto do mergulho, o calor do forno a desperta
e ela caminha, com seus passinhos lentos e curtos,
da pia até o fogão:
lança ao forno o preparo, sorri e me olha
com seus olhos de águas claras.
Vejo vida e mais vida a transpor a idade que ela
carrega no corpo.
Corredeira de sentimentos, entendo
como tanto do mesmo pode-se fazer novo, de novo.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Posição Pronomial

Tantos meus
poucos nós
me prendem
na possessão do que não sou eu.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Ludibriado

     As divisórias tampam o seu rosto, posso ver apenas a nuca reclinada sobre o banco. Deduzo sua agonia pelo compasso escandaloso de seus pés. Eles parecem agitados, como se - apesar do esforço - a mente já tivesse saltado da cabeça e escorrido até a extremidade do corpo. Falta pouco para sair. É como uma revolução que silenciosa muda todo o mundo de dentro. A poucos segundos do fim, o compasso já se tornou outro: agora seus pés se balançam mudos, em um ritmo mais lento, como se uma força chamasse tudo de volta. E então a batalha segue equilibrada (?). Começo a me embalar quando ele muda mais uma vez. Ele está ali a induzir-me a um único pensamento: pressa. Mas ele corre de quê? Ou corre para o quê?
     (Essa maneira de seguir pelos dias é tão comum, que já não vejo razão de me concentrar em sua confusão.) Viro, mas não consigo ignorar que estou viciado nessa loucura diária, preso nesse estado, fora de mim. Estico o pescoço e olho o cenário ao redor... Também estou sentado, quieto na intensa movimentação, no ir e vir, sentir e não ficar. A senhora dos olhos cor de azeitona me observa pela fresta que criou entre seus olhos e o jornal. Ela parece estranhar-me... Encaro-a e logo retoma leitura, deixando a brecha no papel para uma próxima olhadela. Penso dizer algo, mas não há tempo... Lembro-me do homem e me torço um pouco para lhe ver. Agora tem a vista introspectiva sobre mim, há um certo desespero em seu olhar.
     Quem é esse senhor mergulhado na urgência desnecessária dos dias? Olho para os meus pés, que nervosos disparam como os dele. Levanto e ele some, abaixo e aí está. Ironia... Não entro ou saio. Permaneço passageiro de mim, refém dos meus olhares, da minha mente censurada. E a passagem é cada vez mais cara. Corro da vida? Com quem estou na disputa do tempo? Sigo, apenas vou no ritmo... E me mato pela exigência de viver sem buscar entender a extensão, o sentido ou o sentimento na palavra. Traio a vida que corre por mim, me separo, sou vários, mas quais são eu?
     (Está quase na hora. Vou chegar atrasado de novo. Olho o relógio. Não. Haha! Hoje vai dar até para tomar um café! Então vagarosamente descanso os pés do balanço, tomo um compasso simples no embalo. Melhor esquecer toda essa loucura.)
Mas quem é que defendo? Sigo nesse ciclo, fora de onde sou, estou. Insisto em parar... Corro em um tempo que não me toca.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Entre o Toque

Fotografia de Iasmin Rabelo

Vão seus dedos a emoldurarem dobraduras.
As unhas, na pele, percorrem vagarosamente os vértices,
ao quase encontro de nossas faces.

Vira e revira o papel, a metade, o todo.

Como  nossos corpos -
a reconstruírem o espaço.
E então, carinhosamente desfaz a arte do toque.

Lança ao mar o barquinho de sentimentos.

Quem saberá o rumo?

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Planta

É tanto projeto
que introjeto em mim
a ideia de seguir sempre o mesmo trajeto,
fazer os laços se encontrarem no mesmo ponto
e não amolecer o olhar, desfocar as lentes
já cansadas de enxergar sem sentir.

São tantos planos
que já nem posso ver o tijolo que obstruiu
a ponte que me atravessa.
São muitas hipóteses
duramente construídas somente para
esfriar as chances de novos ANDARes...

É tanto projeto
que começo a me projetar
em sonhos, ilusões e caminhos
que não cabem no meu papel.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Gracejo


A brincadeira cresceu rápido demais.
Os olhos da criança agora tem o tamanho do desespero,
da malícia, do desejo.
Vejo algum sonho escondido no seu rosto,
mas o semblante é duro e sarcástico.

Tem cabelos pretos quebradiços, fios oleosos e arrepiados,
roupinhas sujas, pés castigados, mãos pequenas...
Talvez se lembrem de como bailar com o vento,
mas tem que se estender, dia-a-dia.

.

Ele me pedia dinheiro como se fosse rei
e eu precisasse pagar os impostos.
Tinha um isqueiro que empunhava como espada.
O controle era seu,
um sorriso escancarado enchia seu rosto,
com dois ou mais dentes coloridos de cárie.

Eu tinha raiva, a raiva tomava todos meus sentidos.
Aí ele pegou meus cabelos, fez que ia queimar,
mas enrolou um cacho nos dedos.
E ria... se ria...  aquilo para mim soava quase como um choro.
Então entendi que era eu: seu único brinquedo.