domingo, 28 de março de 2010

Amor cotidiano



Ele chega suado do trabalho
ela o abraça com cheiro de desinfetante
com o qual limpava o banheiro à 10 minutos atrás
eles se beijam misturando emoções
e mais tarde vão assistir televisão juntos
sentados no sofá
um pouco gasto...
eles estão lado a lado
coxa à coxa.
A casinha de três cômodos
é o palácio do casal
que não sonha com um romance clássico
eles só querem viver felizes
sem muitos personagens,
na simplicidade do amor.


domingo, 21 de março de 2010

Biografia "?"

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O menino do ônibus deve ter 10 anos.
Todos os dias ele senta na mesma poltrona,
encosta seus dedinhos sujos sobre a nuca
e descansa.
Se não fossem os calos da mão
que repousa sobre as pernas magras,
ele pareceria criança dormindo.
Tem o aspecto leve de quem brinca sonhando.
Mas o ônibus saculeja muito,
ele bate a cabeça no vidro,
abre os olhos
e se lembra...
são oito irmãos!
Ele é um só
e a oficina mecânica é no próximo ponto.
.

terça-feira, 9 de março de 2010

Segredo de Amendoeira




Vou lhes contar uma coisa, mas assim... é segredo e só aqueles que enxergam árvores ou pessoas devem saber. Explico-lhes o contexto...
Eu era pequena, mas lembro bem da época em que eu acordava cedinho para ir até a padaria com meu pai. Era minha hora preferida do dia, porque lá (na padaria) tinha o brigadeiro gigante que a moça do bairro fazia e colocava na vitrine. Então, eu fazia beicinho, olhava para o papai e dizia: "por favor, eu prometo que é a última vez!". Ele sabia que era a última DO dia, que na próxima manhã seria tudo igual e não ligava. Mas o problema era ao chegar em casa: Café na mesa e brigadeiro na mão. Mamãe, quando via, fazia aquele olhar repreendedor para papai e me mandava pra mesa.
-Mas mãaaae, eu não tô com vontade de comer! - eu dizia.
- Então tá bom, dá o brigadeiro aqui porque quando a senhorita estiver com vontade de tomar café, você toma primeiro pra comer o brigadeiro depois. - respondia mamãe enraivecida.
- Não mãe... eu tô com fome! - e eu fazia aquela cara de cachorrinho molhado.
- Se você tá com fome, tome o café, oras. - já impaciente.
- É que... eu não tô com fome de café, eu tô com fome de brigadeiro! - eu sorria malandra.
Era uma guerra, mamãe sempre imparcial e papai lançando aquele sorriso de canto a cada palavra que pulava da minha boca. Ela reparava, é claro, e os dois sempre brigavam porque papai não deveria ter me dado o doce. Enquanto isso, eu me deliciava. Sempre que a "discussão" acabava eu já tinha terminado minha refeição matinal.
Mesmo com as brigas, papai nunca dispensou minha companhia, dizia que gostava de sentir o sol esquentar ao meu lado. E só mais tarde é que eu descobri que, na verdade, era a companhia do meu pai que me despertava, sem olheiras, todas as manhãs. Em uma destas, ele disse que não passaríamos pelo caminho de costume pois queria me mostrar uma árvore florescendo na rua ao lado. Eu adorei a ideia, porque o novo sempre me acolheu muito bem. Nós fomos, no início eu não gostei muito, a árvore estava sem folhas e eu poderia contar nos dedos o número de flores que estavam ali. Mas papai pediu para que eu mantivesse a calma e fosse visitá-la todas as manhãs, logo após a ida à padaria. Eu não via sentido algum e por isso não aceitei. Então, ele disse:
- E se essa árvore fosse o seu esconderijo? Você poderia comer seu brigadeiro aí todos os dias, e sua mãe nem poderia desconfiar.
Ahh, a ideia de paz, ainda que para comer um brigadeiro, fez com que eu aceitasse a proposta. Toda a manhã, papai ia pra casa e eu ficava ali debaixo da árvore me deliciando. Até hoje não sei o que papai fez, mas mamãe não falou mais de café da manhã ou de o brigadeiro.
Tendo passado uma semana de escapatórias, reparei que a árvore estava totalmente coberta de flores e pedi que papai fosse até lá comigo. Eu estava encantada com exuberante beleza.
- Por que a árvore não fica assim o tempo inteiro? - perguntei ao meu pai.
-Porque esta árvore é como as pessoas. - respondeu paciente.
- Como assim? O que ela tem a ver com as pessoas? - perguntei novamente.
- Tudo. Ela perde todas as folhas, e quando parece estar quase morta, se prepara para florescer e logo dá frutos. - ele disse sorrindo.
- Ainda não entendi! - exclamei com curiosidade.
- Todo mundo passa ao lado de alguém, quase sem vida, todos os dias. Mas a falta de entusiasmo faz com que a maioria dessas pessoas não passem ali novamente ou não olhem para um rosto tão morto. Assim como fazem com as árvores sem folhas. Mas existem aqueles, portadores de enorme paciência, que esperam porque sabem que dentro de cada um tem um sorriso esperando o tempo e o impulso certo para sair. Colhem sempre bons frutos. - ele disse.
- Entendi! As árvores só entregam sua beleza para quem prova ser capaz de enxergar. Como as pessoas! Que bonito pai! Será que todo mundo sabe disso?
- Não, na verdade, quase ninguém sabe. E este será o nosso segredo. Você deverá contar apenas para aqueles com coração capaz de amar uma pessoa como se fosse uma árvore.
Naquele momento eu soube que eu sempre carregaria comigo esse segredo. Sete anos se passaram e eu nunca deixei de ir ver a Amendoeira (sim! esta era a árvore da minha infância) porque eu tinha a impressão de que precisava estar sempre lá. Mas ontem havia uma outra criança, desta vez com um guaraná, debaixo dela! Meu pai sussurrou através do vento:
- A sua Amendoeira será sempre sua. Mas já é hora de oferecer seus frutos à outras pessoas. Faça florir mais árvores sem medo de que as folhas caiam. Porque o feio se torna o mais belo. Sempre!
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segunda-feira, 8 de março de 2010

Sem título

acordei sentindo um vazio
suei gelado
como orvalho em folha seca
que se esvai antes de chegar na raiz

acordei acreditando
e pensei que a raiz resistiria a mais um verão
mas era espessa demais
tênue demais
como a vida

acordei zelando por tudo o que não volta
e quis fazer renascer das cinzas qualquer sinal de ternura
por menor que fosse
mas ternura não é como fênix

acordei cheirando café
fiquei com o cobertor na sala
sentindo que "o mundo é um moinho
vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos."
com minha velha vitrola

mas isso foi ontem
hoje eu vi um jardim na minha memória
e segurei firme a corda
que me chamava pra uma outra vida
porque eu sou pequenas vidas diárias

hoje eu quis ligar o radinho
Chico pulou pra fora pra me dizer:
" deixa o barco correr, deixa o dia raiar"

eu levantei com os dois pés
e sem querer atrair nada
achei um arco-íris
usei para impulsionar meu vôo

pássaro bom é pássaro que voa
pólo à pólo
sem ao menos saber
como criar
ou bater as asas
.
ps: assim como a vida, o poema não tem título nem sinalização.

sábado, 6 de março de 2010

Brinquerrima


Lágrima íntima acima.
sétima lástima estima:
clima anima prima.

Mari,
Amir
riam.

Mira!

Quicavam palavras
mas eram brinquedos da Rima.