sábado, 27 de fevereiro de 2010

Coração de papel

Suas roupas andam sumindo das gavetas
e o seu cheiro tá pousando em outros céus
Fico aqui pensando na falta
Mergulho fundo nesse poço de saudade
e bebo toda a água
encho a barriga
não satisfaz
gosto de beber até sair pelos olhos
vivo à encharcar minha solidão
e seu guarda-roupas

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Primeir(único) ato


O cenário era um trilho de trem no meio do nada, rodeado de um tudo compreendido por árvores, pássaros, céu azul e sol esquentando envergonhado. As personagens eram duas amigas. Se toda a natureza gritasse para ouvirmos gritariam Zeca Baleiro anunciando que: "Mais uma vez o dia chega/ Em minha vida/ Como uma chama na selva/ O sol na cama da relva". O drama todo se deu porque a vida só narra a história, mas é preciso que as personagens interpretem seus devidos papéis. E as duas garotas não sabiam o que fazer diante das pessoas quando a dor contracenava grudada nelas, já que esta era tão bem maior a ponto de encher os olhos da plateia que assistia.
Ah, como seria bom se aquela dor desaparecesse! Tão bom seria se os porquês daquilo tudo não existissem mais! Mas isso não ocorreria. O que fazer então? Elas não sabiam. Apenas seguiam em frente. Tinham uma à outra e bastava.
Aquela exuberante
simplicidade do cenário era tão convidativa.
Eis que, por um instante, iluminou mais o sol, a melodia dos pássaros se mostrou mais bela
e as árvores bailaram ao compasso do vento. Tudo se fez colorir mais. Os porquês estavam ali, tão miúdos. Naquele momento infinito por sua própria existência.
Elas aceitaram o convite: saíram andando pelos trilhos, perdendo-se na imensidão dos sorrisos, longe de tudo aquilo que as puxava para baixo o tempo inteiro. Nada mais poderia significar tanto quanto a felicidade que carregavam pelas mãos enquanto penduravam mais uma tarde no varal do coração. Nenhum depois cabia naquele agora, o espaço já estava reservado para a
compreensão de um olhar e a ternura de um carinho.
Agora, as coisas miúdas para o mundo -dos outros- mas imensas para o universo -o delas- faziam todo o sentido, porque naquela tarde elas descobriram que o mais importante são justamente as coisas pequenas. Então, a grande dor que sentiam era complexa demais para a
simplicidade de tudo que sorria.
Elas puderam ver que só executariam seus personagens se lessem menos o roteiro e sentissem mais os seus papéis. Inconstantes como são,
doloridos como são, mas com um sol bem forte, sempre iluminando os trilhos a frente. Trocaram olhares corajosos e pularam no precipício. O público adorou. O teatro foi o vencedor do concurso da cidade, embora não tenham encontrado as atrizes.

Por: Taynara e Camila.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Azul

Andava para um lado e outro, respondendo ao eco de seu assobio para enganar a solidão. Pupilas dilatas, quarto escuro. Paredes hermeticamente fechadas. Sentou-se e por um segundo adormeceu. Talvez pudesse se lembrar da tarde anterior.
Era mais uma daquelas difíceis segundas, mas estranhamente o dia chegava com gosto de flor e cheiro de açucar. Era setembro, as árvores saudavam a primavera. Mas segundas, Carlos não via. Às segundas, não tinha avó e nem família , tinha o gosto amargurado de quem se levanta sem acordar e sai manobrando por entre os móveis para se despertar quando o tornozelo sentisse o choque do encontro matinal com a cômoda. Estupendo gemido. Bom, um novo dia. Tudo corria depressa, o tempo, a gentileza, e seu organismo. Como se fosse regido por uma força estacionária. Estresse garantido. Trânsito caótico, grande metrópole. De repente se lembra de dois carros pretos e homens altos, coloca a mão na cabeça, droga! Doía!
O que teria acontecido? Por que não lembrava? O que diabos estaria fazendo naquele quarto úmido? Tentou mais uma vez. Fechou os olhos. Agora se lembrava de um dia claro, de uma casa velha e um grande jardim. Eis que surge um menino com pés no chão e cabeça no céu. Era ele, um domingo! Nos domingos costumava ser da vó, gostava de correr a céu aberto, colecionava larvas, soltava borboletas, se lambuzava todo de sobremesa. Não, não este domingo, não era hora de se lembrar da avó, se concentre no que foi ontem, brigava consigo. De novo fechou os olhos. Agora via uma grande sala, tinha uma bela luminária e um piano ao centro, desta vez ele brincava de pique-esconde com seu gato enquanto sua mãe gesticulava nãos. Sentou-se a beira do piano, imaginou-se Bach e foi. Às vezes gostava de fingir, de fazer cena. Era músico, mago, delinquente e sorria. Sorriu brevemente, e logo voltou a si. Memória inútil, porque não se lembra de ontem? Por que todos esses dias azuis me vêm à cabeça neste exato momento? Continuava a se cobrar.
Tentou dormir, não podia. Agora andava de um lado ao outro, um lado para o outro. Ficou pensando nos momentos que teria vivido e na vida perdida. Esforçou para se lembrar do último sorriso que houvera dado. Puxa, quanto tempo isso fazia! Parou por um instante! Talvez não se lembrasse de ontem, simplesmente porque ontem não teria sido vivido, ontem deveria ter se arrastado, como os últimos anos. Ontem não teria se fixado na sua cabeça, porque nada fazia sentido, porque não conhecia bem sequer sua rua. E talvez ele fosse na verdade um aglomerado de eus que eram tudo o que ele não teria sido durante todo esse tempo. Então, ele devia ter andando por todas as ruas na contra mão para atravessar o passeio, e sentir o vento dos carros que passavam do seu lado. Respirava fundo como se o ar fosse puro. E chegou a acreditar que fosse.
A porta do quarto se abriu, um homem o arrastou para fora.
- Homem errado, você tem sorte. Vá embora e esqueça o que se passou - disse o homem.
Carlos estava ali, no chão, perplexo. Não com o que houvera acontecido, mas a situação que se passou para que ele pudesse se lembrar de tudo aquilo que o tempo não permite que volte. Não quis contar pra ninguém. Largou o emprego e voltou a morar com os pais, sempre ia até a avó. Nada voltou a ser como antes. Mas fez domingos, segundas e semanas com gosto de azul e cheiro de novo.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Intermitência


E quando o olhar se vira
e não vê?
Tudo está tão diferente na minha cabeça
De repente
um passo
pára
a rua suspira
e segue
Faróis baixos
estrada escura
clarão deve cegar.