domingo, 23 de maio de 2021

Small talk, bolhas e quadrados

Depois de um longo e tenebroso inverno, voltando a postar.


Em tempos de pandemia, tenho me divertido (?) com os algoritmos do Youtube e suas recomendações. Dentre as deduções do que vai me capturar, por vezes surgem palpites inusitados. No último domingo, por exemplo, aparentemente eu me interessaria em como os suecos sobrevivem sem small talk. Pois as aparências nem sempre enganam, meus caros! Não sei o que pegou primeiro a minha curiosidade: se a expressão em inglês ou se o hábito negado pela população da Suécia. Talvez os dois. A questão é que, apesar de o vídeo ser engraçado – mostrando como os suecos fazem de tudo para evitar as conversas de elevador, da hora do cafezinho ou dos pontos de ônibus –, pensar em small talk me entristeceu um pouco.

Acreditem ou não, sempre gostei dessas conversas improvisadas, nesses lugares em que estamos frequentemente de passagem. Talvez eu me interesse mais pela possibilidade de conhecer sutilezas das pessoas – por um gesto, por uma escolha de palavras, pelo tom de voz – do que efetivamente goste dos temas que se desenrolam dos diálogos rápidos. Ultimamente, contudo, tenho adotado as estratégias suecas para frustrar as confabulações – quiçá o Youtube tenha identificado uma real demanda, afinal. 

A verdade é que, neste cenário político, saber mais das pessoas às vezes tem me assustado. No elevador, no Uber, no caixa do sacolão... o bate-papo sobre o tempo se transformou em bate-papo sobre pandemia e a gente nunca sabe quando o assunto vai descarrilar para alguma pós-verdade. E o problema da pós-verdade é que ela vai muito além das fake news... Emoções e crenças pessoais passam a ter muito mais relevância na (des)construção de uma ideia do que fatos objetivos. Então, não parece adiantar muito discutir. Já tentei, mas, hoje em dia, “Hun...” é tudo que tenho conseguido dizer. É cansativo argumentar, porque quase sempre as discussões ficam inflamadas. É cansativo brigar também.

Saudades de jogar conversa fora sem precisar pisar em ovos. Saudades de não fugir da small talk. Sorte podermos nos recolher às nossas bolhas, quando necessário, e desabafarmos sobre os absurdos que nos saltam aos olhos, todos os dias. Saudades, porém, de não falar em momento algum sobre as barbaridades da semana. Nas videoconferências com os amigos, constantemente é assim: a conversa vai, vai, vai... e todos parecem estar aderentes ao silencioso pacto de não dizer nada da situação atual. Os quadradinhos que emolduram cada um já começam a embaralhar a visão... “Então é isso. Vamos lá, né? Já bateu um sono por aqui”. “Já mesmo”. “É, já... vamos ver se em breve conseguimos nos encontrar pessoalmente, fazer aquelas reuniões”. “Nossa, precisamos!” “Vamos ver quando vai dar, né? Do jeito que as coisas estão indo, neste desgoverno...” “Pois é... E vocês viram a última?!”. E lá se vão mais horas em que nos sentimos felizes na nossa bolha e reduzidos aos nossos quadrados: ainda que virtuais, sem pequenas conversas, sem longos embaraços. 

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Trânsito em Nós

Tarde de um outono, quase inverno,
que se lamenta por não ser verão.
Olhares endurecidos me espreitam
no ônibus, na rua, de dentro dos carros.
Aborrecido, encaro-os da esquina do rosto.

Congestionados, os pensamentos
deslizam nas ninharias diárias,
muros se erguem, de concreto armado,
e as curvas da face logo se esbarram,
dá-se o nó num viaduto de espelhos.

Longe da semelhança com os vitrais,
falta cor, é sempre sinal vermelho.
O reflexo dos olhares e sentimentos
colide e cega. Paramos. 
O nó das expressões nos anulou.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Ensaio em branco


A página vazia encara
o branco da mente cheia de cores.
E seu corpo, que nunca foi apenas casa,
não faz sala
e dorme
antes de qualquer movimento das mãos
no nu papel.

Sem reação ou reagentes,

o ensaio do que se quer,
das cores ou palavras,
contra os lençóis,
continua
em branco.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Escrever

Diversos sujeitos
andam pela testada da casa.
Conjugo meus verbos -
quando entro -
mas, se penso muito em jeitos,
mudo o intérprete e eles param.

Meus pensamentos se calam -
em formatos -
mas se falo, formo por outros meios.
A que/quem me sujeito?

sábado, 23 de agosto de 2014

Movimentos Fluídos

Pequeno fluxo de progresso
penetrando seus pensamentos.
Mas os carros, os pés, tudo passa
pela leve sensação de observar sem se mover.

Buzina, trabalho. Compromissos, fumaça.

A cidade enlouqueceu - conclui
na passagem de ideias pelos
buracos da rua e da agenda.

O percurso, agora curvo

pouco deixa ver do trajeto.
É só isso o caminho? Tudo?
Esse jogo de claro e escuro.

Os homens correm, levam, arrastam

quantas vidas...
E a sua? Perspectivas.

Nega outro olhar. Retrocedem

e se vão as reflexões em movimento,
escorrem pelos vãos do tempo -

Efêmero -

esvaem na freada brusca do automóvel da frente
e no seu grito, primeiro insulto,
Antropocêntrico.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Moribundo

Fotografia de grafite de Banksy

Contraio-me e contraio...Contraio a ferida do mundo,
cutuco a carne viva, mas não sei, não posso mais
estancar o que corre, sarar o corte.

E contraio mais, fecho as portas, não deixo espaço.
E quanto mais me calo, aumento o meu cansaço
com as letras e histórias, a pequenez e o planetário.

Contraio meu imaginário, esqueço, desfaço
meus olhos cansados.

Contraio meu campo de visão
ao contrário do sentimento que deixo
quando contraio a ideia de consumo descontrolado.

Na desilusão da cura, adoeço e contraio...
Tanto diminuo que já não posso me ou te tocar.

Viveremos distanciados,
enlouquecidos por qualquer contato?
Contrariado, todos os dias, me mato.

domingo, 2 de junho de 2013

Violeta tenta ser gente grande

Sai,
se colhe do pé da mãe
para se plantar em outro lugar,
mas no correr da vida,
no duro do asfalto,
na fumaça dos dias cinzas,
nos olhares estranhados,
não consegue encaixe.
Não aceita,
MUDA, tenta outra natureza,
violenta seus gostos,
ornamenta casas que não
pode morar.
Volta,
tenta as raízes
onde deixou de semear,
mas já não cabe na terra de si mesma.
Sem essência,
sem ter se plantado, aguado,
sem se cuidar, ainda pequena
morre, cai
antes do tempo,
antes da primavera tratar de lhe -
- mostrar sua beleza.

O que se colhe é a planta que -
antes de mostrar - se quis cultivar.

domingo, 7 de abril de 2013

Sentido de novo


De novo observo minha avó pelo dia,
as suas mãos rasas de carne contrapõe os sulcos do rosto

e afrontam minhas certezas sobre o correr da vida.
Tem pelos tão claros quanto os olhos, profundamente
mergulhados no preparo do bolo de todas as tardes,

na redescoberta dos gostos
dos mesmos ingredientes
misturados e sentidos diferentes.
Traz em si uma graça, que quase me escapa,
em compreender que a mistura da vida
não se conserva
que a alguns sabores não se pode mais sentir 
apenas porque já não têm o que acrescentar, incrementar 
a massa, que ainda sim - cresce
transformada,
mesmo que apenas pela mudança na ordem dos olhares.
A tal ponto do mergulho, o calor do forno a desperta
e ela caminha, com seus passinhos lentos e curtos,
da pia até o fogão:
lança ao forno o preparo, sorri e me olha
com seus olhos de águas claras.
Vejo vida e mais vida a transpor a idade que ela
carrega no corpo.
Corredeira de sentimentos, entendo
como tanto do mesmo pode-se fazer novo, de novo.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Posição Pronomial

Tantos meus
poucos nós
me prendem
na possessão do que não sou eu.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Ludibriado

     As divisórias tampam o seu rosto, posso ver apenas a nuca reclinada sobre o banco. Deduzo sua agonia pelo compasso escandaloso de seus pés. Eles parecem agitados, como se - apesar do esforço - a mente já tivesse saltado da cabeça e escorrido até a extremidade do corpo. Falta pouco para sair. É como uma revolução que silenciosa muda todo o mundo de dentro. A poucos segundos do fim, o compasso já se tornou outro: agora seus pés se balançam mudos, em um ritmo mais lento, como se uma força chamasse tudo de volta. E então a batalha segue equilibrada (?). Começo a me embalar quando ele muda mais uma vez. Ele está ali a induzir-me a um único pensamento: pressa. Mas ele corre de quê? Ou corre para o quê?
     (Essa maneira de seguir pelos dias é tão comum, que já não vejo razão de me concentrar em sua confusão.) Viro, mas não consigo ignorar que estou viciado nessa loucura diária, preso nesse estado, fora de mim. Estico o pescoço e olho o cenário ao redor... Também estou sentado, quieto na intensa movimentação, no ir e vir, sentir e não ficar. A senhora dos olhos cor de azeitona me observa pela fresta que criou entre seus olhos e o jornal. Ela parece estranhar-me... Encaro-a e logo retoma leitura, deixando a brecha no papel para uma próxima olhadela. Penso dizer algo, mas não há tempo... Lembro-me do homem e me torço um pouco para lhe ver. Agora tem a vista introspectiva sobre mim, há um certo desespero em seu olhar.
     Quem é esse senhor mergulhado na urgência desnecessária dos dias? Olho para os meus pés, que nervosos disparam como os dele. Levanto e ele some, abaixo e aí está. Ironia... Não entro ou saio. Permaneço passageiro de mim, refém dos meus olhares, da minha mente censurada. E a passagem é cada vez mais cara. Corro da vida? Com quem estou na disputa do tempo? Sigo, apenas vou no ritmo... E me mato pela exigência de viver sem buscar entender a extensão, o sentido ou o sentimento na palavra. Traio a vida que corre por mim, me separo, sou vários, mas quais são eu?
     (Está quase na hora. Vou chegar atrasado de novo. Olho o relógio. Não. Haha! Hoje vai dar até para tomar um café! Então vagarosamente descanso os pés do balanço, tomo um compasso simples no embalo. Melhor esquecer toda essa loucura.)
Mas quem é que defendo? Sigo nesse ciclo, fora de onde sou, estou. Insisto em parar... Corro em um tempo que não me toca.