terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Das revisões interiores

Coloquei todas as peças no tabuleiro,
eu contra mim no Xadrez
Eu era tantas que nem sabia.
Pensei em fugir,
mas por todos os lados me conheciam!
O Xeque veio a cavalo.
Entre celas e estrada,
quem quer que eu Mate?

.

domingo, 20 de novembro de 2011

A bordadeira


Espera pelos filhos sentada na encosta.
Hoje eles vem - pensa e lança os olhos distantes.
As mãos varridas pelo tempo
tecem pequenas esperanças
que ela estende no varal.
Semeia poesia pelo vento...
Essa é sua forma de sorrir.
Pela estrada íngreme, ninguém vem, faz frio...
- Pudera! Com esse tempo aqui é área de risco.
Entrou e se cobriu com as flores que fez brotar no vazio
em um chorar das nuvens a casa se desfez.
Recebeu outra visita.

*Imagem retirada da internet

domingo, 6 de novembro de 2011

Audiência de José

"...Mas você não morre,
você é duro, José!"
Carlos Drummond

Entrou correndo pela porta traseira. Era um homem grande e moreno, daqueles que se via que a força havia sido imposta. Pela testa escorria o suor, que lançava sobre as mãos, depois pela calça. Nos braços carregava um pacote, que colocou suavemente no piso enquanto contava as moedas para a passagem. Pagou ao trocador e, com destreza, aproximou os pés do embrulho se preparando para a viagem de pé. Tão fixos estavam seus olhos que, para aquele homem, aquilo parecia vital. Pelo olhar vidrado e vermelho, devia ser uma encomenda, algo ilícito que a qualquer momento poderia ser descoberto. Com certa repulsão e angústia, os passageiros esticavam os pescoços a procura de uma abertura no embrulho, alguma pista. Apesar da expressão cansada, os lábios do sujeito traziam um leve sorriso. A cada observação o pânico aumentava... "E se ele estiver drogado? E se for um assassino?" As pessoas comentavam aos cochichos. Tão sóbrios e cheios de si, par a par, os passageiros começavam a bolar planos... "Talvez se descermos um ou dois pontos antes" ou "E se avisarmos a polícia?" dentre todos os comentários que se costuma fazer em julgamentos. Ao perceber a quantidade de olhares, perplexo, o homem grande e moreno lançou as mãos sobre o pacote e deu sinal. Desceu uns quatros pontos antes do seu destino. Era mais seguro ir a pé. Foi uma decisão difícil... Embora quisesse ser solidário, os filhos e a esposa esperavam desesperados por aquilo. Ainda na rua, olhou para as árvores, o sol começava a se ocultar no horizonte e ainda era possível ver alguns feixes de luz entre os galhos. Lançou os olhos sobre o cachorro do bairro, que dormia junto ao poste, e soltou uma longa risada. Agradeceu porque hoje ia ter arroz e feijão. José sabia que nem sempre o retorno vinha, mas diante dos olhares famintos, insistiu e pediu para que aqueles passageiros pudessem ter a mesma alegria em ter comida na mesa ao deixar escorrer seu suor.

domingo, 24 de julho de 2011

Emersão

O corpo dela é praia
frente ao oceano imerso em seus olhos
profundos. Ele, marinheiro de primeira viagem
mergulha como criança sem salva-vidas.

E a taquicardia que não volta,
desde o dia em que ela levou todo seu peito
em uma de suas ondas.

Longe dela o mundo é só aquário.

Ele fica ali, com os olhos frente ao vidro
observando, distante, o que dele se foi
e vai...tudo o que teve agora é só paisagem.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Leis da natureza


O vento agora sopra suave sobre a serra
mas o coração dele segue soprando a chama.
Início de noite... frio penetrando a pele,
cinzas de cigarro espalhadas pelo piso
e o violão gemendo baixinho nas mãos do poeta..
As folhas de outono à fogueira encantam...
O que seu peito Chama não vai se apagar.

A(r)mou mais fundo
até a estação passar, 
outra vez.

sábado, 14 de maio de 2011

Entre os tics e tacs

Passam as ruas, os carros, os homens...
Passam correndo, quentes, enormes!
Sangram os pés, as mãos, o peito...
Vem o sol, a chuva, lua.
Nas pupilas dilatadas, cidade escura...
sono... Apaga os sonhos.
Um punhado de estrelas para mais tarde
mas as janelas continuam fechadas.
Escorrem os pensamentos...
Dentro das paredes:
tic-tac, tic-tac, tic-tac,
Tic Tac, tic tac, tic tacs,
Afinal, são apenas duas calorias.

sábado, 2 de abril de 2011

Espectro


(...)



- Não, eu não me lembro da última vez que eu ri a ponto da minha barriga doer...
Mas quando foi que você conseguiu esse seu olhar distante... tão sem foco?
E essas suas olheiras? Parece que você carrega o mundo sob elas.
Tá, tudo bem... não falo mais sobre isso... só me responda se a primeira coisa que você faz quando acorda ainda é correr e colocar aquele disco da Elis na vitrola.


- Não, estou pelas metades e a agulha quebrou.
As vezes eu coloco meus pés no chão...
mas as vezes são só os pés.
E sabe... eu nem ligo se é o direito ou o esquerdo.
Algumas horas é só o chão frio
corroendo tudo por dentro.
Daí levanto e faço um café bem quente
pra ter a sensação de que tá tudo aquecido por fora.
Ou então, vai logo um chá gelado...
Depende do quanto de amargura tem no sangue.


-Vai açucar?

- É açucar ou adoçante?
Porque tudo tem me parecido doce demais
Mas é um doce fora de quadro
Como se meu reflexo continuasse no espelho
e eu não estivesse mais lá.

- ....

Taynara Irias e Selene Gomes
deixando a liberdade poetizar na praça.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Fogo de palha

Eu, jardim cheio inverno
e seu corpo frio, jogado pelos butecos.
Café com blues,
seus olhos dizendo blue, blue, blue.

Ensaio penetrar e me desconcerto.
Já em alto mar você esquenta meu inverno.
A superfície finge ao interno:

Fogo e palha,

minha cama e o suor de nossa única noite...

Na chama de nossos corpos
o amor de inverno
se queimou.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Sobre Saudade


Hoje seu cheiro de capim-limão e alfazema

dançou pela minha cabeça.
Seu olhar brincou de esconde-esconde
com os meus olhos.
É... arte é a recriação da alma.


As prateleiras da minha memória são cheias de você.
Encontro seu sorriso entre os clássicos russos,
esbarro com seu jeito sutil de arrumar os cabelos
na estante dos romances franceses.
Sorrio, quando de repente, sua expressão mais bonita
me vem entre as poesias inglesas.

Sinto falta do seu jeito desastrado de calçar os sapatos,
do seu rosto tranquilo ao descascar laranjas na varanda...
feito menino com seu brinquedo predileto.
Meus amigos andam dizendo:
"tá tudo bem, depois de um tempo esquece."
Tá tudo bem... Todo dia eu te encontro mais.

Pai, se agora somos um só, o que fazer com os braços?
Vou me abraçar todas as manhãs
e acreditar que o calor do seu corpo ainda me aquece.
Vou caminhar de cabeça erguida,
sou a soma dos meus desencontros e o nosso encontro.
Talvez eu me alimente de lembranças e reinvenções de você,
porque você vive em mim.

Posso chorar todas as nuvens do céu
De repente eu grite e quebre porta-retratos sem fotos
Mas o mundo é só botão de flor, eu sou raiz e caule.
É pai... tô aprendendo a florescer com o sol queimando a carne...
A saudade é como a dor do parto que não acontecerá.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O senhor do tempo

Seis da manhã!
Despertador, corre!
Dentes, escova... deixa.
Café, pão, larga na mesa.
Engarrafamento, esbraveja.
O suor escorre apressado pela face corada...
cada gotinha sob o busto é trovoada!
E chove forte em sua cabeça.
Escritório, o chefe, os papéis sobre a mesa!
Oh! Não há coelho correndo atrás das horas.
É só um homem perdido no tempo...
O tempo... pura areia movediça,
engoliu o homem, seu emprego, a dignidade... desespero!!!


-Pobrezinho! Tão novo... e ainda morreu desempregado!

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Que ter lugar é não saber onde e como...


Poltrona vazia, discos arranhados,
O menino acha que está em seu lugar e leva o medo pelas mãos
A sala vai desabar, a casa ruir, o chão já tão cheio de pó, desaparecerá.


Eu quero desatar o nó dos encontros e me enlaçar fora dos trilhos,
desencontrar o trem de todas as estações.




Os vagões do tempo ainda correm na sua direção
Para, olha, escuta, sai do chão.
Larga as malas, a poltrona, abre as mãos.


Salto bem forte, deixo os pés fora do ar
Silêncio... o vento a me contar o caminho,
Saturno quer por seus anéis nos meus dedos...
me prometi aos mistérios do mundo.




A vitrola diz: " Eu sou a chuva que lança a areia do Saara"
E tudo gira, dança, canta! Mato, vento, fogueira, rio...
O garoto pega na mão os espinhos, floresce a alma, brinca de bola de sabão.
Poltrona vazia, discos arranhados... quem é que sabe, exatamente, onde está?
Enfim... as coisas estão em seu lugar.

sábado, 15 de janeiro de 2011

A poesia, O escuro e As flores



Chegou de madrugada, encharcada da poesia do céu. Caminhou em direção ao chuveiro... hesitou. Deixou seu vestido escorregar pelo seu corpo até os pés. Abriu a janela e os braços. Ali ela estava, nua, sem armas, aquele era seu jeito de enfrentar o mundo. Só ela, livre para o que seu destino a reservasse. E o mundo era aquilo mesmo, uma janela aberta e escura... em que se sente muito mais do que se vê, ou se pensa enxergar.
Ela não só colocou a cara a bater, mas todo seu corpo. E o vento poderia tentar cortar a sua pele, ela continuaria a admirar o poder que ele tinha de fazer voar os seus cabelos, crespos. Se debruçou sobre o parapeito daquela janela tentando engolir o silêncio, caiu no sono. Acordou com o sol sobre seus olhos. Não era o mundo que estava diferente, era ela que aceitava a dor, as lágrimas, o corte... tudo pela florzinha pequenina que iria nascer dentro dela. Coisa que não se vê.
-O escuro brilha tanto -repetiu para si mesma.
Agora ela estava pronta para iluminar escuridão de mais um dia. Na sua rua esbarrou com um flor, bem no asfalto, de tudo o que tinha visto, aquela era a maior das delicadezas. Sorriu, na esperança de que faria brotar muitas outras flores no concreto que a cercava.