Avó, mãe e filhas no ponto de ônibus. Acabaram de chegar do sacolão e se lambuzam incansavelmente com suas coxinhas, compradas na lanchonete ao lado. Engolem rapidamente para que não esfrie. Mãos engorduradas, limpam na calça e riem, conversam, brincam, se divertem. A filha mais nova parece ter uns 3 anos e tá no colo, pedindo para descer e brincar com o cachorro que passa pelo passeio. A mais velha agarra a blusa da avó e pede sobremesa. Ela também não escapa de indagações e responde com a paciência e sabedoria que só quem já viveu muito consegue guardar em si.
Uma família socialmente importante, se for preciso levar em conta os olhares que, naquele momento, se concentravam sobre eles. Alguns olhavam enganados, outros sorrateiros e aqueles outros nem ligavam... soltavam comentários estranhos, como a dona do sacolão, Monique, que disse que pobre era assim mesmo! Ao ouvir, mãe e vó se entreolharam. E riram.
Enfim chegou o ônibus e a família embarcou com destino à um bairro da periferia, conhecido pela peculiaridade dos homicídios que lá ocorriam. Mais uns murmurinhos e depois só a cantoria e as conversas de ônibus. Uma hora depois, desembarcam, param para fazer alguma pergunta e seguem. Passos azuis e grandes vão indo em direção ao destino.
Logo à frente, a mãe avista uma casinha pequena, mal rebocada, transpirando simplicidade. Supõe que aquele fosse o lugar. Toca a campainha e um homem bem vestido abre a porta. A mãe dá um passo para trás, um pouco hesitante.
— Pegamo esses negoço aqui procê na associação — diz a mulher que, na verdade, veio do sacolão.
O homem da casinha olha, como se a cada minuto pudesse descobrir mais sobre aquelas pessoas, como se todas elas fossem portas e ele possuísse a chave. Ou eram elas quem estava dando a chave? Ele estava ali, na entrada de sua casa, criando a imagem que mais tarde pintaria no quadro de suas memórias. Escolhendo as cores e os tons de azul, para contrastar com seus dias cinzas. Uma avó, uma mãe e duas filhas diante de um pintor de bondade, solidariedade, amizade.
— Ei, moço! Cê não ouviu não? Os legume, as fruta — falou a mulher, um pouco confusa.
— Ah sim. Desculpem a minha indelicadeza — disse o homem, pegando a sacolas da mão da mulher. — Entre. Vamos tomar um chá?!
— Não, não. Brigada, mais nois num vamo querê não. Temo que pegar o ônibus de volta ainda— advertiu a mãe enquanto as filhas cutucavam-a para que entrassem. — O moço vai ficar envergonhado por não ter nada pra oferecer. — cochichou para as garotas e elas se despediram.
— Mas... Só um momento! Como vocês se chamam? — o homem perguntou.
— Ah... nois não tem nome fixo não. Nois somo chamada da forma que o momento exige. Se seu nome é um só, cê se prende a preservar o que construiu sobre ele. Aê, cê sabe né? O desabamento de torna perigoso demais. — e foram embora.
O homem ficou ali, desta vez observando a família se afastar, deixando passar por sua cabeça todo seu vocabulário refinado para tentar por nome à aquelas pessoas. Ele que um dia foi Levi Batista, dono de uma famosa rede de sacolões e pai de Monique, não tinha mais nada. Era amparado por uma família sem nome. A algum tempo atrás, ele diria: todos João Ninguém. Mas agora, enquanto observava os sorrisos velho, jovem, pequenos caminharem pela rua, ele já não imaginava. Só sentia a Felicidade dizendo que se manifestava sobre as formas mais simples e que trazia, junto dela, a liberdade de ser quem quiser. Levi agora era um Homem que não tinha vergonha de limpar as mãos na calça.
Um grande beijo de otimo sabado pra ti querida...paz e carinho sempre.
ResponderExcluirAcredito que a sabedoria só vem com tempo, e isto trás um consepção mais ajustada do que é viver. Tem texto no Sub Mundos.
ResponderExcluirBjushttp://submundosemmim.blogspot.com