quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Lamentos e além

Quando a alma grita no papel, não há barulho.
Há um silêncio inquietador
rompendo os laços invisíveis, como algo que corrói
até que se perca o controle.

E se a carne sangra
é porque o coração já amaciou demais
e agora endurece,
transpondo o que resta por dentro.

O olhar perscruta e escurece.
Sorrisos vazios,
paixões exaltadas,
o dar de mãos congeladas...
Pingue-pongue.

Quem quer jogar é só entrar na roda.
Benditos sejam os jogadores!
Não existem perdas ou ganhos.
É que o lugar é confortável.
Água e açúcar e muita tinta cinza.

Preciso das cores de volta em minha íris.
Lavar o corpo e a alma,
expor ao sol,
deixar queimar
até esquecer do frio de ontem.

As curvas são o sentido incoerente da alma.
A resposta.
Como o pássaro que quebra as asas
e se lembra que sabe andar,
aprende a ter mais impulso
vai voar mais alto.

Alcançou o infinito
quem já colocou demais os pés sobre o chão
e os olhos além.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Retrato sem nome

Avó, mãe e filhas no ponto de ônibus. Acabaram de chegar do sacolão e se lambuzam incansavelmente com suas coxinhas, compradas na lanchonete ao lado. Engolem rapidamente para que não esfrie. Mãos engorduradas, limpam na calça e riem, conversam, brincam, se divertem. A filha mais nova parece ter uns 3 anos e tá no colo, pedindo para descer e brincar com o cachorro que passa pelo passeio. A mais velha agarra a blusa da avó e pede sobremesa. Ela também não escapa de indagações e responde com a paciência e sabedoria que só quem já viveu muito consegue guardar em si.
Uma família socialmente importante, se for preciso levar em conta os olhares que, naquele momento, se concentravam sobre eles. Alguns olhavam enganados, outros sorrateiros e aqueles outros nem ligavam... soltavam comentários estranhos, como a dona do sacolão, Monique, que disse que pobre era assim mesmo! Ao ouvir, mãe e vó se entreolharam. E riram.
Enfim chegou o ônibus e a família embarcou com destino à um bairro da periferia, conhecido pela peculiaridade dos homicídios que lá ocorriam. Mais uns murmurinhos e depois só a cantoria e as conversas de ônibus. Uma hora depois, desembarcam, param para fazer alguma pergunta e seguem. Passos azuis e grandes vão indo em direção ao destino.
Logo à frente, a mãe avista uma casinha pequena, mal rebocada, transpirando simplicidade. Supõe que aquele fosse o lugar. Toca a campainha e um homem bem vestido abre a porta. A mãe dá um passo para trás, um pouco hesitante.

— Pegamo esses negoço aqui procê na associação — diz a mulher que, na verdade, veio do sacolão.

O homem da casinha olha, como se a cada minuto pudesse descobrir mais sobre aquelas pessoas, como se todas elas fossem portas e ele possuísse a chave. Ou eram elas quem estava dando a chave? Ele estava ali, na entrada de sua casa, criando a imagem que mais tarde pintaria no quadro de suas memórias. Escolhendo as cores e os tons de azul, para contrastar com seus dias cinzas. Uma avó, uma mãe e duas filhas diante de um pintor de bondade, solidariedade, amizade.

Ei, moço! Cê não ouviu não? Os legume, as fruta — falou a mulher, um pouco confusa.

Ah sim. Desculpem a minha indelicadeza — disse o homem, pegando a sacolas da mão da mulher. — Entre. Vamos tomar um chá?!

Não, não. Brigada, mais nois num vamo querê não. Temo que pegar o ônibus de volta ainda— advertiu a mãe enquanto as filhas cutucavam-a para que entrassem. — O moço vai ficar envergonhado por não ter nada pra oferecer. — cochichou para as garotas e elas se despediram.

Mas... Só um momento! Como vocês se chamam? — o homem perguntou.

Ah... nois não tem nome fixo não. Nois somo chamada da forma que o momento exige. Se seu nome é um só, cê se prende a preservar o que construiu sobre ele. Aê, cê sabe né? O desabamento de torna perigoso demais. — e foram embora.

O homem ficou ali, desta vez observando a família se afastar, deixando passar por sua cabeça todo seu vocabulário refinado para tentar por nome à aquelas pessoas. Ele que um dia foi Levi Batista, dono de uma famosa rede de sacolões e pai de Monique, não tinha mais nada. Era amparado por uma família sem nome. A algum tempo atrás, ele diria: todos João Ninguém. Mas agora, enquanto observava os sorrisos velho, jovem, pequenos caminharem pela rua, ele já não imaginava. Só sentia a Felicidade dizendo que se manifestava sobre as formas mais simples e que trazia, junto dela, a liberdade de ser quem quiser. Levi agora era um Homem que não tinha vergonha de limpar as mãos na calça.

domingo, 3 de outubro de 2010

entre Estar ou Não





O ponto dá a hora de ir embora.

Veja só as pessoas,
girando em torno do tempo,
correndo atrás das horas.
O relógio pega o primeiro ônibus.
E foge,
de susto.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Como dizer parabéns

Na minha mesa repousam meus sentimentos.
Pequenos papéis, canetas velhas, lembranças...
Dentro da memória o tempo não tem pressa.
Eu gosto quando você vem aqui me visitar
e a gente repassa nossas antigas conversas.

Hoje eu te abracei nos meus sonhos
e te dei meu presente.
Tento ser mais forte,
mas a chuva chegou tão rápido sobre minha cabeça.
Não é fácil escavar esse poço e tirar toda a sujeira.

Num dia alguém vai embora,
noutro a gente renasce para uma outra história.
Transitando entre os mundos
e sentindo na carne a dor de um mundo doente.
Sei que eles vão cair e não poderão se levantar.

Quero a todo o custo converter em arte
essa vontade de ir embora.
Como a tentativa de poetizar em um parabéns
todo esse amor que você deixou em mim.

ps: volto a sorrir com a saudade.

sábado, 18 de setembro de 2010

Floração


Fresta na janela, é de manhã lá fora.
Acordo com o sol sobre a pele.
Saudando, iluminando, tocando sem queimar.


Clareou tudo aqui dentro
a tempestade que engoliu a coragem, se foi.
A vida segue remando seu barquinho.
E o som dos remos sob os destroços
é a música de quem caiu e se ergueu.


O inverno já vai embora.
É hora de fazer florir tudo o que ficou semeando por dentro.
Sorrio sob os tons de azul e amarelo,
vendo chover pequenas gotas de tinta.
Abro todas as janelas,
deixa iluminar.


Caio e renasço.
Equilíbrio entre extremos.
Canto para transcender minha lírica e eu...
Já é primavera em nós.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Cicatrizes


Pode repousar sua cabeça em meus braços criança,

eles te disseram que quando crescesse o mundo seria seu, não é?
Falaram que você poderia, enfim, sair sozinha por ai...
não ter hora para voltar...
E a maior frustração da liberdade é não se sentir livre.

Sei que sente algo te prendendo.
Tem medo de precisar sair de casa novamente.
É, eles não foram gentis com você.
Ahh pequena, sei que atravessaram sua estrada
e deixaram os restos, estragados, de tudo.
Passaram por cima dos teus sonhos
e, aos poucos, lhe fizeram esquecer como sonhar.

Você precisa seguir,
arrancar a coragem que emana de fontes verdadeiras
e acreditar que você é forte.
Você é livre para sentir o que quiser,
e nunca estará sozinha se lembrar de você mesma.

Vai pelas ruas juntando tudo que deixou cair,
reconstruindo, renovando o mosaico de sua vida.
Nós somos os pedaços que montamos com o tempo.
Você vai cair muitas outras vezes
e precisa aprender a se erguer.
As feridas vão cicatrizar.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Para voar

Amanheceu... sorriu, após ter inundado seu travesseiro.
Calçou suas pantufas como se fosse fisioterápicas,
deixou cair suas roupas...
e com elas ficou o peso que prendia seu corpo.
Abriu as janelas...
ali estava, nua.
Pele e alma prontas para o contato...
Olhou para o relógio, tinha trabalho.
E foi... louca para que chegasse logo a próxima manhã.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O grande menino

O menino lá da rua tinha mania de grandeza.
Ele grandiava as borboletas, as formigas e os passarinhos.
Diziam que ele não era bom da cabeça,
que seu prazer era falar com árvores,
que fazia pirraça para jantar
e ainda conservava uma velha mania de se sentar contra a lua.
Um dia ele me disse que via de dentro pra fora
e sentia de fora pra dentro.
Por isso sentia o que devia.
Mas ele ficou com as vistas cansadas de grandiar as coisas terrestres.
Virou a poltrona para a lua, viu o céu, as estrelas...
E a rua se tornou pequena demais para seu coração de 84 anos.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Procura-se


Boneca procura alguém para amar.
Quem mais poderá dar a vida à boneca de pano?
Sua dona diz que não quer mais brincar.
Que o tempo corre e seu coração está cheio.

Pobre menina! Agora sua velha boneca é só pano.
Ela soube que você não podia se soltar como antes.
Viu quando você decidiu pôr fim a coleção de lagartixas,
e matar todos os amigos que passeavam pela sua mente.

Oh triste boneca de pano!
Foi abandonada, já sem vida, no escuro da noite.
Vejam! Está só em meio à tempestade,
e o vento bate forte sobre seu rosto cuidadosamente costurado.

Todos passam e ninguém percebe.
Ali há um pedaço belo, grande e açucarado de uma menina.
Ela ainda não sabe que escolheu ter seus primeiros traços amargurados.
Como uma bailarina que está na dança mas não quer mais rodopiar.

Dar vida à algo é, também, dar vida a si mesmo.
A boneca de pano só quer amar e procura crianças de 5, 10,20, 30... anos
ela promete dar a arte, a expressão, os movimentos e todo o mistério da criação.
Há apenas um requisito: coração grande e alma pura.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Uma alma no confessionário


Retorno à varanda junto ao café quente, reviro as páginas do que chamo de memória enquanto observo o vapor subir rumo ao telhado. Preciso sentar sobre meus pés e sentir que só posso repousar sobre mim e tenho que conviver com a dor do meu corpo, porque eu sou o que aguento e assumo o risco. Espera! Posso ouvir o barulho da água que desce pela fonte, como se uma cachoeira tivesse se instalado em mim. Será minha vida um ir e vir que anuncia quando desce e ninguém percebe a subida? Ninguém sabe de onde vem? Sutil? Como quando nós estamos ocupados demais para nos lembrar que a avó conta dias a menos e que as havaianas do pai estão desgastadas.
Silêncio, preciso ouvir as vozes aqui dentro. Tenho sido tantas de mim que esqueci qual era o eu que precisava. Assumi tantos papéis que o roteiro ficou confuso e as cortinas não se fecharam para um releitura. Fiquei ali, tentando ouvir os murmúrios da platéia, mas ninguém falaria, ninguém poderia descobrir qual era (é?) a protagonista de mim. Será? Seria? Quem? Eu sou a junção de toda essa incoerência em uma alma. Penso que quando entender, saberei que não sei de nada, que posso me perder em infinitos caminhos e continuarei sendo a entrada e saída de mim. Você aí, você também é, nós somos o caminho que nos leva a tudo, e nada.
Pago por não ter aceitado o nada, quando busquei tudo. Cada pessoa oferece o que tem e entrega suas faltas. Na verdade, pago pelo o que não fui capaz de preencher e insisti em substituir. Eu não posso dar mais do que o que as pessoas queiram, não posso, se não querem.
Como um balão à gás, esvazio minha mente e meu coração de todo o ar quente, sufocante. Preciso respirar, voar livre. Adeus mundo de cá. Têm ypê florindo por ali e meu sorriso tá brotando ao lado. Meu caminho é surreal e eu não existo.
Digo, aquele eu não existia.
Então quem sou?
...
Silêncio.