domingo, 3 de fevereiro de 2013

Planta

É tanto projeto
que introjeto em mim
a ideia de seguir sempre o mesmo trajeto,
fazer os laços se encontrarem no mesmo ponto
e não amolecer o olhar, desfocar as lentes
já cansadas de enxergar sem sentir.

São tantos planos
que já nem posso ver o tijolo que obstruiu
a ponte que me atravessa.
São muitas hipóteses
duramente construídas somente para
esfriar as chances de novos ANDARes...

É tanto projeto
que começo a me projetar
em sonhos, ilusões e caminhos
que não cabem no meu papel.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Gracejo


A brincadeira cresceu rápido demais.
Os olhos da criança agora tem o tamanho do desespero,
da malícia, do desejo.
Vejo algum sonho escondido no seu rosto,
mas o semblante é duro e sarcástico.

Tem cabelos pretos quebradiços, fios oleosos e arrepiados,
roupinhas sujas, pés castigados, mãos pequenas...
Talvez se lembrem de como bailar com o vento,
mas tem que se estender, dia-a-dia.

.

Ele me pedia dinheiro como se fosse rei
e eu precisasse pagar os impostos.
Tinha um isqueiro que empunhava como espada.
O controle era seu,
um sorriso escancarado enchia seu rosto,
com dois ou mais dentes coloridos de cárie.

Eu tinha raiva, a raiva tomava todos meus sentidos.
Aí ele pegou meus cabelos, fez que ia queimar,
mas enrolou um cacho nos dedos.
E ria... se ria...  aquilo para mim soava quase como um choro.
Então entendi que era eu: seu único brinquedo.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

O jogo do social insociável

Vai! Que é a bola da vez!
Falar para não escutar,
já pensar em como não fazer
e justificar, inventar não ir além
do espaço que marcaram.

Espera a sorte na quadra, quina...
A ficha cai.
Arrumem outra nova ou peguem de volta!
Entrem também!
Pingue-pongue social,
aqui o jogo não para.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Passageiro


Observo as gotas se chocarem contra o vidro embaçado
e elas nunca me atingem.
As luzes escorrem do outro lado da janela...
tudo que vejo é o contraste da noite nos faróis e postes.

Pneus soam sob o asfalto molhado
e em um deslize meus pés se lançam sob as poças, brincam no chão,
como em um tempo que eu não tropeçava para entrar na dança.
Mas o semáforo finge o verde e a carcaça de metal range com os freios.

Chove forte em mim
e estou fechado num bloco retangular,
Cinza e Quente. Não há equilíbrio.
Trancado em um corpo estranho,
em movimento constante.
Tudo é só de passagem.

Já muito distante, penso no trajeto que fiz...
quanta gente embarcou, em quantos buracos cai.
Passageiro da minha  vida
e ela não passa por aqui.
TROCADOR, em que ponto eu desci?
Acho que esqueci de mim.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Beijos e Cadeados



No encontro dos olhares
a visão se anulava.
Em que se acredita sem sentir?

Era cegueira e também
fome de beijos e cadeados...
À beira do caos, correram – dois lados.
Traçaram paralelos...

Condenados à linha tênue
entre aperto e espaço,
eternizaram o encontro em uma estátua.
- Elevaram ao centro.
Estático, o sentimento entrou em coma.

Fotografia de Erik Kolstad - Estátuas de escravos de Zanzibar

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Das revisões interiores

Coloquei todas as peças no tabuleiro,
eu contra mim no Xadrez
Eu era tantas que nem sabia.
Pensei em fugir,
mas por todos os lados me conheciam!
O Xeque veio a cavalo.
Entre celas e estrada,
quem quer que eu Mate?

.

domingo, 20 de novembro de 2011

A bordadeira


Espera pelos filhos sentada na encosta.
Hoje eles vem - pensa e lança os olhos distantes.
As mãos varridas pelo tempo
tecem pequenas esperanças
que ela estende no varal.
Semeia poesia pelo vento...
Essa é sua forma de sorrir.
Pela estrada íngreme, ninguém vem, faz frio...
- Pudera! Com esse tempo aqui é área de risco.
Entrou e se cobriu com as flores que fez brotar no vazio
em um chorar das nuvens a casa se desfez.
Recebeu outra visita.

*Imagem retirada da internet

domingo, 6 de novembro de 2011

Audiência de José

"...Mas você não morre,
você é duro, José!"
Carlos Drummond

Entrou correndo pela porta traseira. Era um homem grande e moreno, daqueles que se via que a força havia sido imposta. Pela testa escorria o suor, que lançava sobre as mãos, depois pela calça. Nos braços carregava um pacote, que colocou suavemente no piso enquanto contava as moedas para a passagem. Pagou ao trocador e, com destreza, aproximou os pés do embrulho se preparando para a viagem de pé. Tão fixos estavam seus olhos que, para aquele homem, aquilo parecia vital. Pelo olhar vidrado e vermelho, devia ser uma encomenda, algo ilícito que a qualquer momento poderia ser descoberto. Com certa repulsão e angústia, os passageiros esticavam os pescoços a procura de uma abertura no embrulho, alguma pista. Apesar da expressão cansada, os lábios do sujeito traziam um leve sorriso. A cada observação o pânico aumentava... "E se ele estiver drogado? E se for um assassino?" As pessoas comentavam aos cochichos. Tão sóbrios e cheios de si, par a par, os passageiros começavam a bolar planos... "Talvez se descermos um ou dois pontos antes" ou "E se avisarmos a polícia?" dentre todos os comentários que se costuma fazer em julgamentos. Ao perceber a quantidade de olhares, perplexo, o homem grande e moreno lançou as mãos sobre o pacote e deu sinal. Desceu uns quatros pontos antes do seu destino. Era mais seguro ir a pé. Foi uma decisão difícil... Embora quisesse ser solidário, os filhos e a esposa esperavam desesperados por aquilo. Ainda na rua, olhou para as árvores, o sol começava a se ocultar no horizonte e ainda era possível ver alguns feixes de luz entre os galhos. Lançou os olhos sobre o cachorro do bairro, que dormia junto ao poste, e soltou uma longa risada. Agradeceu porque hoje ia ter arroz e feijão. José sabia que nem sempre o retorno vinha, mas diante dos olhares famintos, insistiu e pediu para que aqueles passageiros pudessem ter a mesma alegria em ter comida na mesa ao deixar escorrer seu suor.

domingo, 24 de julho de 2011

Emersão

O corpo dela é praia
frente ao oceano imerso em seus olhos
profundos. Ele, marinheiro de primeira viagem
mergulha como criança sem salva-vidas.

E a taquicardia que não volta,
desde o dia em que ela levou todo seu peito
em uma de suas ondas.

Longe dela o mundo é só aquário.

Ele fica ali, com os olhos frente ao vidro
observando, distante, o que dele se foi
e vai...tudo o que teve agora é só paisagem.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Leis da natureza


O vento agora sopra suave sobre a serra
mas o coração dele segue soprando a chama.
Início de noite... frio penetrando a pele,
cinzas de cigarro espalhadas pelo piso
e o violão gemendo baixinho nas mãos do poeta..
As folhas de outono à fogueira encantam...
O que seu peito Chama não vai se apagar.

A(r)mou mais fundo
até a estação passar, 
outra vez.