Abri o armário do banheiro
e não vi sua escova de dente.
Seu cheiro não enche mais meu quarto.
Bati com a cabeça no granito frio
em que você costumava repousar seus braços
enquanto enfeitava o dia que estava por vir.
Corri para a cama,
talvez o travesseiro se abrisse
para que eu pudesse entender
o que está acontecendo aqui na superfície.
Mas eu não quero o gesto usual
das mãos que se apertam
no início de cada dia.
Eu quero os olhares cúmplices
do crime que é roubar o calor do seme-lhante.
Comecei a compreender...
Vi você despir sua alma
antes de ter de tirar suas vestes do guarda-roupas.
E hoje eu sentei na beirada da tarde,
até ver o novo dia nascer.
Olha só a ousadia do silêncio
dos primeiros raios de sol
surgindo por entre os fios de cabelo!
Veja o sonho inquieto das árvores querendo balançar
com o vento da manhã!
Qualquer burburinho
é a calmaria lá no fundo
gritando que é preciso sorrir.
Não importa quantas primaveras deixaram de florir
o importante é o que fazer com as sementes no inverno.
O sol vai esquentando envergonhado
e um friozinho ainda arrepia a pele.
Você não está sentado ao meu lado
mas não me deixa sentir frio
porque não está na superfície...
está dentro de mim.