sexta-feira, 30 de julho de 2010

Uma alma no confessionário


Retorno à varanda junto ao café quente, reviro as páginas do que chamo de memória enquanto observo o vapor subir rumo ao telhado. Preciso sentar sobre meus pés e sentir que só posso repousar sobre mim e tenho que conviver com a dor do meu corpo, porque eu sou o que aguento e assumo o risco. Espera! Posso ouvir o barulho da água que desce pela fonte, como se uma cachoeira tivesse se instalado em mim. Será minha vida um ir e vir que anuncia quando desce e ninguém percebe a subida? Ninguém sabe de onde vem? Sutil? Como quando nós estamos ocupados demais para nos lembrar que a avó conta dias a menos e que as havaianas do pai estão desgastadas.
Silêncio, preciso ouvir as vozes aqui dentro. Tenho sido tantas de mim que esqueci qual era o eu que precisava. Assumi tantos papéis que o roteiro ficou confuso e as cortinas não se fecharam para um releitura. Fiquei ali, tentando ouvir os murmúrios da platéia, mas ninguém falaria, ninguém poderia descobrir qual era (é?) a protagonista de mim. Será? Seria? Quem? Eu sou a junção de toda essa incoerência em uma alma. Penso que quando entender, saberei que não sei de nada, que posso me perder em infinitos caminhos e continuarei sendo a entrada e saída de mim. Você aí, você também é, nós somos o caminho que nos leva a tudo, e nada.
Pago por não ter aceitado o nada, quando busquei tudo. Cada pessoa oferece o que tem e entrega suas faltas. Na verdade, pago pelo o que não fui capaz de preencher e insisti em substituir. Eu não posso dar mais do que o que as pessoas queiram, não posso, se não querem.
Como um balão à gás, esvazio minha mente e meu coração de todo o ar quente, sufocante. Preciso respirar, voar livre. Adeus mundo de cá. Têm ypê florindo por ali e meu sorriso tá brotando ao lado. Meu caminho é surreal e eu não existo.
Digo, aquele eu não existia.
Então quem sou?
...
Silêncio.

domingo, 25 de julho de 2010

Flor da pele



Sinto,
sei
que sou
à flor da pele.
A flor sangra
se tem espinhos
mas sabe ser suave.
A pele tá sempre quente
na espreita.
A flor da pele
parece frágil
mas aguenta e vive
sobre[vive] a carne.
Brinca
machuca,
fica nua
e sente
as flores e os espinhos.
Que bom ter pele!
Esquento para esfriar.
Fico serena
pra não esgotar.
Sinto,
e sou toda
à flor da pele
para sentir muito...
sinto todo o mundo.
Imagem de Angelica Trompieri

terça-feira, 13 de julho de 2010

Duas caras

O inverso
é só o outro lado da moeda...
Os pólos fazem parte do mesmo todo.
Revira,
mas não desfaz.
O [re]verso
subverte os extremos.
Vai de cara ou coroa?

sexta-feira, 2 de julho de 2010

A saída



O cheiro de café forte e amargo dança pelo ar.
Vai encontrar açucar pra descer
com bolachas de canela.
Vai fazer do tango a salsa.

O céu se veste com fantasias
esperando a melodia
do violão solitário
que já foi o dono das loucuras
da poesia.

É que o garoto que compunha,
agora é só melancolia.
Não sabe mais brincar de palavriar,
não tem mais o verbo na ponta da língua.

O menino pensa que tá sem saída.
Não se acanhe com a estrada.
Eu já tropecei em muitos substantivos
e eles também verbeiam
como a lua que enluarece a noite.

Não precisa temer,
que uma luz repousa
mas outra ilumina
E minha mão esquenta a sua.

Eu tropecei no silêncio dos seus medos menino
e dei de cara com meus sonhos.
Ouvi dizer que as cores ainda estavam ali
as suas e minhas
estavam no mesmo beco sem saída que nos perdemos.

Então nós podemos
coar logo um café quentinho
e dançar a mais nova salsa
que vamos compor
corpo a corpo.

Sonhos e ouvidos
vão ver as cores
que os olhos desenharam
enquanto pensavam estar fechados.
O sem-saída
só não sai pra quem não tem asas,
ou a poesia.