Retorno à varanda junto ao café quente, reviro as páginas do que chamo de memória enquanto observo o vapor subir rumo ao telhado. Preciso sentar sobre meus pés e sentir que só posso repousar sobre mim e tenho que conviver com a dor do meu corpo, porque eu sou o que aguento e assumo o risco. Espera! Posso ouvir o barulho da água que desce pela fonte, como se uma cachoeira tivesse se instalado em mim. Será minha vida um ir e vir que anuncia quando desce e ninguém percebe a subida? Ninguém sabe de onde vem? Sutil? Como quando nós estamos ocupados demais para nos lembrar que a avó conta dias a menos e que as havaianas do pai estão desgastadas.
Silêncio, preciso ouvir as vozes aqui dentro. Tenho sido tantas de mim que esqueci qual era o eu que precisava. Assumi tantos papéis que o roteiro ficou confuso e as cortinas não se fecharam para um releitura. Fiquei ali, tentando ouvir os murmúrios da platéia, mas ninguém falaria, ninguém poderia descobrir qual era (é?) a protagonista de mim. Será? Seria? Quem? Eu sou a junção de toda essa incoerência em uma alma. Penso que quando entender, saberei que não sei de nada, que posso me perder em infinitos caminhos e continuarei sendo a entrada e saída de mim. Você aí, você também é, nós somos o caminho que nos leva a tudo, e nada.
Pago por não ter aceitado o nada, quando busquei tudo. Cada pessoa oferece o que tem e entrega suas faltas. Na verdade, pago pelo o que não fui capaz de preencher e insisti em substituir. Eu não posso dar mais do que o que as pessoas queiram, não posso, se não querem.
Como um balão à gás, esvazio minha mente e meu coração de todo o ar quente, sufocante. Preciso respirar, voar livre. Adeus mundo de cá. Têm ypê florindo por ali e meu sorriso tá brotando ao lado. Meu caminho é surreal e eu não existo.
Digo, aquele eu não existia.
Então quem sou?
...
Silêncio.