domingo, 20 de novembro de 2011

A bordadeira


Espera pelos filhos sentada na encosta.
Hoje eles vem - pensa e lança os olhos distantes.
As mãos varridas pelo tempo
tecem pequenas esperanças
que ela estende no varal.
Semeia poesia pelo vento...
Essa é sua forma de sorrir.
Pela estrada íngreme, ninguém vem, faz frio...
- Pudera! Com esse tempo aqui é área de risco.
Entrou e se cobriu com as flores que fez brotar no vazio
em um chorar das nuvens a casa se desfez.
Recebeu outra visita.

*Imagem retirada da internet

domingo, 6 de novembro de 2011

Audiência de José

"...Mas você não morre,
você é duro, José!"
Carlos Drummond

Entrou correndo pela porta traseira. Era um homem grande e moreno, daqueles que se via que a força havia sido imposta. Pela testa escorria o suor, que lançava sobre as mãos, depois pela calça. Nos braços carregava um pacote, que colocou suavemente no piso enquanto contava as moedas para a passagem. Pagou ao trocador e, com destreza, aproximou os pés do embrulho se preparando para a viagem de pé. Tão fixos estavam seus olhos que, para aquele homem, aquilo parecia vital. Pelo olhar vidrado e vermelho, devia ser uma encomenda, algo ilícito que a qualquer momento poderia ser descoberto. Com certa repulsão e angústia, os passageiros esticavam os pescoços a procura de uma abertura no embrulho, alguma pista. Apesar da expressão cansada, os lábios do sujeito traziam um leve sorriso. A cada observação o pânico aumentava... "E se ele estiver drogado? E se for um assassino?" As pessoas comentavam aos cochichos. Tão sóbrios e cheios de si, par a par, os passageiros começavam a bolar planos... "Talvez se descermos um ou dois pontos antes" ou "E se avisarmos a polícia?" dentre todos os comentários que se costuma fazer em julgamentos. Ao perceber a quantidade de olhares, perplexo, o homem grande e moreno lançou as mãos sobre o pacote e deu sinal. Desceu uns quatros pontos antes do seu destino. Era mais seguro ir a pé. Foi uma decisão difícil... Embora quisesse ser solidário, os filhos e a esposa esperavam desesperados por aquilo. Ainda na rua, olhou para as árvores, o sol começava a se ocultar no horizonte e ainda era possível ver alguns feixes de luz entre os galhos. Lançou os olhos sobre o cachorro do bairro, que dormia junto ao poste, e soltou uma longa risada. Agradeceu porque hoje ia ter arroz e feijão. José sabia que nem sempre o retorno vinha, mas diante dos olhares famintos, insistiu e pediu para que aqueles passageiros pudessem ter a mesma alegria em ter comida na mesa ao deixar escorrer seu suor.